terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Desejo e Reparação

Desejo e Reparação deveria ser mais um romance de época sobre o infatigável dilema garoto-pobre/menina-rica. Contudo, esta primeira expectativa será frustrada, como serão frustradas quaisquer tentativas de prever o que virá a seguir neste filme que insiste em nos deixar desconcertados, nos colocando em permanente suspense sobre o futuro de seus personagens.

O filme começa na Inglaterra num período imediatamente anterior a segunda grande guerra. Na casa dos Tallis, uma típica familia aristocrata, Cecilia (Keira Knightley), filha mais velha da familia, está apaixonada por Robbie (James McAvoy), filho de uma empregada da casa. O sentimento deles é recíproco, mas a força das aparências e o medo natural de se exporem faz com que eles arrisquem-se em um perigoso jogo de liberdades que é observado por Briony (Saoirse Ronan), irmã mais nova de Cecilia, que confusa a respeito do que via, sem falar nos próprio sentimentos, decide livrar-se do empregado contando uma mentira que muda a vida dos três para sempre.

Depois da mentira de Briony e da consequente prisão de Robbie, somos lançados três anos no futuro e acompanhamos a jornada de cada um dos três personagens. Aqui acontece o que para mim é a maior falha no filme, a personagem Briony passa a ser interpretada por Romola Garai, não que a interpretação passe a ser ruim, mas perde todo o mistério antes mostrado em tela. Se no começo não sabemos a verdade sobre a sonhadora e contundente Briony, que com seus olhos opacos não nos permite jamais ter certeza sobre seus sentimentos ou sobre suas atitudes. Agora ela se torna óbvia e desinteressante destacando-se apenas numa cena em que conversa com um moribundo no hospital.

O figurino e direção de arte são um detalhe à parte uma vez que só por eles poderíamos perceber o período e ocasião do filme. Seja nos maiôs e tocas usados pelas personagens, seja nas alas do hospital onde Briony trabalha. Tudo evoca a época do filme.

A montagem não-linear apesar de bem feita, faz muitas escolhas banais e desnecessárias, que fazem o filme se prolongar mais que o necessário. Assim ela só acerta quando procura mostrar a visão subjetiva e parcial de Briony. Além disso o filme possui um excelente plano-sequência que mostra a retirada dos soldados ingleses da França que só falha pela escolha por uma projeção dessaturada. O que já se tornou um aborrecido clichê em cenas de guerra, como se a única forma de provocar sensação entre os espectadores fosse retirando as cores da imagem.

As atuações de Keira Knightley, James McAvoy e Romola Garai são convincentes e, algumas vezes, até tocantes, mas a escolha do roteiro em não se preocupar com os resultados psicológicos do incidente visto na primeira metade da projeção, faz com que a força deste ato não apenas se perca, só continuamos acompanhando a história porque temos consciência do impacto de tal atitude e não porque o filme traga isto à tona, mas com que os personagens se tornem frágeis. Uma vez que a Cecilia que vimos vestida de enfermeira é essencialmente a mesma que aparece num vestido de noite três anos antes. E se a Briony parece diferente, essa diferença está muito mais na mudança da atriz do que na da personagem, o que se torna evidente quando constamos seu destino.

Agora, se o filme erra no desenvolvimento de seus personagens, certamente acerta em cenas repletas de uma ironia fria, quase cruel. Entre elas está a já citada cena em que Briony conversa com um moribundo, onde eu mesmo demorei para perceber a verdadeira força do que acontecia ali. Ainda há a cena em que Robbie é preso, a que uma personagem se casa e a própria cena final.

Desejo e Reparação é um filme sagaz que se diverte consigo próprio enquanto as atitude de seus personagens e o acaso os esmaga.