quarta-feira, 22 de abril de 2009

Roteiro: Parte 4 - PLOT

Nada me impressionou mais em minha primeira incursão adolescente sobre roteiro[1] do que o plot, que muitas vezes é chamado em português de conflito essencial. Conflito essencial já mata a charada sobre seu significado, mas, é sempre bom dar uma explicação pormenorizada. Plot é aquilo que perturba a rotina dos personagens, de forma que, no geral, um filme conta a história da introdução de um elemento estranho, uma discussão sobre este e sua adequação a rotina. Assim, temos a famosa divisão: inicio, desenvolvimento e conclusão.

Normalmente é muito fácil identificar o plot de um filme. Por exemplo, em Os Goonies o plot é o mapa do tesouro (alias o plot pode ser visto como uma espécie de mapa do tesouro); Em A Dama de Vermelho ele é o aparecimento da tal dama; Em A Espera de um Milagre é o aparecimento de um preso que tem a capacidade de curar as pessoas; Em A Corrente do Bem é a fé de um menino em que poderia mudar o mundo; Em O Senhor dos Anéis é a a descoberta do anel.

Convém lembrar que o plot é um elemento estranho para o cotidiano dos personagens e não para o nosso, isso significa que o conflito essencial do Matrix não é a Matrix; o do MIB - Homens de Preto não são os ets; o do Guerra nas Estrelas não são os Jedis; o do Harry Poter não é a magia. Em todos esses casos aquela é a realidade deles, logo deve ser vista como seu cotidiano. Quais seriam então seus respectivos conflitos. Em Matrix é a descoberta do Neo de que o seu mundo não era real; Em Homens de Preto é a chegada de um perigoso terrorista intergaláctico; Em Guerra nas Estrelas é a descoberta do Luke Skywalker de que seu pai foi um jedi destruído por Darth Vader; No Harry Poter é o retorno do Lord Voldemort[2].

Muitas vezes acontece também do filme querer retratar uma guerra ou um local, nesses casos, apesar de ser dado mais destaque ao pano de fundo da história, ela tratará dos seus personagens. Toda história só existe por causa dos personagens, guerras e lugares não podem ser personagens, de forma que estes filmes ainda têm seus conflitos relacionados aos personagens que o permeiam. Um exemplo disto é o meu exemplo padrão para essas postagens sobre roteiro. O plot de Cidade de Deus é o Zé Pequeno, seu inicio no crime, sua ascensão ao reinado e sua morte são as três divisões do filme. Um outro exemplo seria o Titanic.

Agora, todo filme tem um plot? Sim, todos tem. Sem ele não há história. Além disso, histórias convencionais têm apenas um plot, mas podem ter conflitos secundários que são chamado de subplots. Estes normalmente possuem inicio, desenvolvimento e conclusão como o plot. O filme pode ter tantos conflitos secundários que o conflito essencial acaba obscurecido ou difícil de identificar. Um filme em que isto acontece é Watchmen, ocorrem tantos subplots que quase não se percebe que o plot central é o advento do Dr. Manhattan. Já filmes com mais de um conflito essencial tendem a parecer diversos filmes unidos por um incidente, como acontece com Amores Brutos, 21 Gramas e Babel[3], além, é claro, de Crash.

Fica a certeza de que o plot é essencial para o desenvolvimento de qualquer roteiro de cinema e que sua adequação a ele, muitas vezes representada por sua aniquilação, é o objetivo da história. O que faz com que o plot possa ser descrito simplesmente como aquilo que leva a história adiante.

[1] Esta primeira incursão ocorreu quando eu tinha 13 anos e li O Roteirista Profissional de Marcos Rey.
[2] Harry Poter na verdade têm vários filmes e cada um tem seu próprio plot, mas Lord Voldemort se mantém como o grande conflito da saga toda. O que acaba tornando secundário o conflito de cada filme individualmente.
[3] Esses três filmes são dirigidos por Alejandro González Iñárritu e escritos por Guillermo Arriaga. Amores Brutos é normalmente considerados o melhor dos três pela crítica especializada, mas meu favorito é 21 Gramas.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Roteiro: Parte 3 - Storyline

No Brasil alguns especialistas preferem o uso do termo sinopse ao termo consagrado em inglês storyline. Como este último ainda é mais usado por aqui, o preferi ao termo tupiniquim. Além do mais, acho que a palavra sinopse pode gerar alguma confusão.

Storyline é, nada mais nada menos, que o resumo resumido do resumo de um roteiro. Ele deve ter um único parágrafo e, segundo Marcos Rey, em seu livro chamado Roteirista Profissional, jamais deve exceder seis linhas. Ele deve descrever o inicio e o desenvolvimento do conflito (também chamado de plot, falarei mais sobre isso em um outro post). Também pode se estender até o final do conflito, mas isso depende do uso que será dado a ele.

Teoricamente o storyline faz parte do desenvolvimento de um roteiro. Roteiristas mais pragmáticos defendem que o roteiro deve começar com uma idéia, então se desenvolve esta idéia em um storyline, que é usado para escrever o argumento que finalmente se transforma em um roteiro. Nestes casos o storyline funciona como o roteiro do roteiro e deve conter o final do conflito, o clímax. A seguir está um exemplo de Storyline do título de Hamlet de William Shakespeare:

Um príncipe cujo pai, que era rei, foi assassinado por seu tio com o fim de usurpar a coroa. Este crime conduziu o jovem príncipe a uma crise existencial, que terminou numa onda de mortes, inclusive a sua própria.

No texto acima temos um leve desenho dos personagens essenciais, mas eles sequer têm nomes, a história não tem uma época definida, tão pouco são mencionados os personagens secundários. Mas o conflito está presente, a morte do pai, bem como o personagem principal, o príncipe e seu antagonista, o tio. Sendo, normalmente, isto o essencial para se escrever um storyline.

Mas muitos roteiristas pulam o storyline como parte do desenvolvimento de um roteiro. Eles vão da idéia diretamente para o argumento. Mesmo nesses casos, eles não se livrarão de escrever um storyline. Mudarão a sua função e o momento em que ele será escrito, mas ele ainda terá de ser escrito. Nestes casos, o storyline passa a ter sua função ligada ao marketing do roteiro. Afinal, o objetivo de todo o roteiro é ser filmado e para isso alguém precisa comprar a idéia. Os interessados, neste ramo, sempre começam pela leitura do storyline, um storyline interessante e atraente, tem mais chances de sair da gaveta. Quando o storyline é escrito com este objetivo. Ele costuma ser escrito após terminado o argumento ou mesmo o roteiro todo e o final costuma ser suprimido. Assim, nosso storyline de Hamlet poderia ficar assim:

Um príncipe cujo pai, que era rei, foi assassinado por seu tio com o fim de usurpar a coroa. Este crime conduziu o jovem príncipe a uma crise existencial, que terminou numa onda de mortes.

Alguns ainda defendem que o storyline, quando escrito para vender o roteiro, deve ser o mais espetaculoso possível. Muito mais parecidos com as sinopses encontradas em jornais e sites especializados do que com uma ferramenta para a produção de roteiros. Abaixo um exemplo de storyline escrita por Rick Polito para o filme O Mágico de Oz, disponíveis o texto original em inglês, bem como uma tradução livre:

"Transported to a surreal landscape, a young girl kills the first woman she meets and then teams up with three complete strangers to kill again."

Transportada para uma terra surreal, uma garota mata a primeira mulher que encontra e então reúne três completos estranhos para matar novamente.

Perceba que os mesmos elementos do storyline sobre Hamlet estão presentes aqui, bem como as mesmas omissões. Inclusive do desfecho.

Nada impede que mais de um storyline seja escrito. Um usado para escrever o argumento e outro para vender o filme.