segunda-feira, 30 de março de 2009

Roteiro: Parte 2 - Argumento

Já foi dito aqui que o argumento é a verdadeira base de todo o filme. Agora, por argumento, se compreende o conjunto de idéias que serão desenvolvidas no roteiro. Ele tem a ação delineada, bem como a sequência, personagens e locações. Normalmente não tem diálogos e sua narrativa é pobre.

Como a palavra de ordem do cinema comercial é o lucro, métricas foram inventadas para tudo. Com o argumento não poderia ser diferente. De forma que, na matemágica de Hollywood cada página de um argumento representa dez páginas do futuro roteiro. Claro que, como o argumento não tem um estrutura rigidamente definida como o roteiro, esta medida pode variar muito de um argumentista para o outro.

Argumentista é aquele que escreve o argumento! Sei que não disse nada com isso, mas o fato é que em produções adaptadas o argumento costuma ser escrito pelo próprio roteirista ou roteiristas. Já em produções originais, muitas vezes o argumento vem de um dos produtores do filme. Por exemplo, o George Lucas costuma escrever diversos argumentos para filmes que produz e/ou dirige. Entre eles estão Star Wars - O Império Contra-Ataca, todos os filmes do Indiana Jones, Willow - Na Terra da Magia, entre outros.

Muitas vezes é difícil diferenciar um bom argumento de um bom roteiro. Já que um é feito sobre o outro, felizmente temos um exemplo recente que pode ser usado para reforçar esta distinção. O filme Quem Quer Ser um Milionário, que ganhou o Oscar de melhor roteiro adaptado, é um roteiro ruim escrito sobre um bom argumento. Uma cena é categórica: Os par romântico do filme Jamal e Latika finalmente se re-encontram após anos de separação, mas há um problema, Latika vive com um poderoso bandido de Dubai. Jamal pede para ela ir com ele, ao que ela questiona: "Viver do que?". "De amor" - Jamal responde prontamente. É possível ser pior que isso? Se lembrarmos que em um argumento não entram diálogos, entenderemos que a potencialmente boa idéia de um reencontro entre os personagens no meio do filme escrita no argumento, foi completamente arruinada no roteiro por um diálogo pobre.

Para perceber a proximidade e as diferenças entre argumento e roteiro. Abaixo há um exemplo de argumento da sexta cena do filme Cidade de Deus:

ARGUMENTO
Pelas ruas da Cidade de Deus Cabeleira, Alicate e Marreco fogem da polícia. Eles percorrem algumas ruelas, trocam de roupa e correm até o campinho onde fingem jogar bola com os meninos.


ROTEIRO
EXT. RUAS DO CONJUNTO - DIA

Cabeleira, Alicate e Marreco correm, perseguidos de perto, por um POLICIAL que dá tiros para o alto. Eles riem. E também atiram para o alto.

BUSCA-PÉ (V.O.)
O Trio Ternura não tinha medo de ninguém.
Nem da polícia... Eles achavam que a Cidade
de Deus era deles. Mas tinha um monte de
bandido que achava a mesma coisa. Naquele
tempo, a Cidade de Deus ainda não tinha
dono.

Os bandidos se metem pelas ruelas do local.

MONTAGEM cria a sensação de labirinto: o Policial nunca sabe para onde ir.

Os bandidos param um instante. Tiram as camisetas vermelhas, jogando-as por trás do muro de uma casa. Todos agora estão de camiseta branca. Eles continuam correndo até o...

Perceba que o argumento continua até a cena seguinte do roteiro. Isto acontece porque o argumento não obedece a divisão de cenas que será criada pelo roteiro. Além disso, todos os elementos importantes do filme estão presentes no argumento: Os personagens, as locações e a ação. O argumento poderia ainda informar o estado de espírito em que os personagens fogem da polícia, mas é importante evitar o uso de adjetivos. Dar este tipo de informação já no argumento, pode engessar o roteiro. Então, se eles fogem alegremente ou desesperadamente, a medida do possível, deve ser uma decisão tomada no roteiro.

2 comentários:

Rodrigo Camargo disse...

Bem, se o roteirista era a mosca do cocô do cavalo do bandido, o que dizer do argumentista? Deve ter a mesma importância que o cara que providencia os copinhos de água para o diretor. Ou talvez os abanadores de atrizes passando mal do calor?

Não entendi a parte do Quem quer ser um milionário ("é um roteiro ruim escrito sobre um bom argumento"). Como assim? Então deveria ser premiado por melhor argumento e não melhor roteiro original? Por que o roteiro é ruim também não entendi. Após ler seu exemplo fiz cara de ué.

Muito bom esses posts sobre "fazendo filme". Vê se não abandona o barco agora que tá legal.

Abraço,

Garcia Filho disse...

Rodrigo,

Fiz um adendo ao texto explicando a parte que você achou confusa. Espero que isso resolva o problema.

Além disso, é importante frisar que não existe premio para melhor argumento. A idéia era mostrar, como as duas coisas se confundem.

Abraço.