quinta-feira, 26 de março de 2009

Roteiro: Parte 1 - O Que É Roteiro?

A melhor maneira de começar a definição do que é um roteiro de cinema é dizendo o que ele não é. Pois bem, um roteiro não é uma obra de arte, sequer deve ser artístico de alguma maneira. Muitas pessoas crêem que o roteiro é o fundamento de todos os filmes, mas a verdade é que ele é apenas a estrutura. O fundamento que sustenta todo o filme, estou fazendo uma analogia com a construção de um edifício, é o argumento (falarei sobre ele outra hora). Em função disto, dos principais papéis para a realização de um filme, o do roteirista é o mais obscuro. Mesmo o produtor, cujas funções muitas vezes são ignoradas pela maioria das pessoas, é mais conhecido que o roteirista de um filme qualquer. Excetuando-se, é claro, diretores-roteiristas como Christopher Nolan, os irmãos Wachowski, James Cameron, Francis Ford Coppola, etc. Que são conhecidos por seus trabalhos como diretores. Discorda? Aceite o desafio e cite em 10 segundos o nome de três roteiristas. Eu citarei o nome de um deles, existe um roteirista muito inventivo, habilidoso, conceituado e premiado hoje em Hollywood cujo o nome é Charlie Kaufman (ano passado ele dirigiu seu primeiro filme) e ele jamais escreveu um livro. Ora, sendo ele um escritor, pensa-se que seu desejo seria publicar livros, mas então por que ele não o fez? Pela mesma razão que a grande maioria dos outros roteiristas. Um roteiro não pode ser literário, nem deve entreter. Ele tem de ser claro e objetivo. Assim, mesmo um excelente roteirista, muitas vezes, seria incapaz de produzir um romance.

Outra coisa que deve ser desmistificada quando se trata de roteiro é que ele é fruto do trabalho do roteirista. Ao contrário do que acontece com um romance, normalmente, um roteirista não senta diante de um computador e começa a escrever um roteiro sobre uma história qualquer, às vezes, é claro, isto acontece. Mas o mais comum é que ele seja contratado para escrever um roteiro. De maneira que, o que o roteirista deve escrever vem da mente de quem o contratou e não dele mesmo. Muitas vezes quem contrata um roteirista é um produtor endinheirado e sem talento que o manda adaptar uma obra cujos direitos ele (o produtor) já adquiriu, razão pela qual a imensa maioria dos filmes são adaptados de outras obras. Eventualmente, surge um produtor com talento que vem com uma idéia para o roteirista escrever e surge um roteiro original. Quem manda fazer um armário embutido escolhe sua cor, o material, a quantidade de gavetas, se as portas são de correr ou de puxar. Será que quem contrata um roteirista é menos criterioso? Claro que não, a prova disto é que os roteiros têm diversos tratamentos (são re-escritos diversas vezes) para que o roteirista deixe o roteiro da maneira que o(s) produtor(es) quer(em) (eles costumam atacar em bando). Por exemplo, o roteiro de Cidade de Deus, que tem um trecho transcrito no final deste post, teve nada menos que doze tratamentos. Tudo acontece mais ou menos assim:

Um roteirista escreve um primeiro tratamento e o apresenta em uma reunião a uma meia dúzia de executivos que após lerem o textos têm idéias e criticas. O mocinho tem de ter um interesse amoroso; têm muitas cenas de sexo; o irmão da mocinha devia ser morto pelo bandido; deveriam ter palhaços na cena do funeral. E uma série de outras idéias que o roteirista, não muito amigavelmente, incorpora no roteiro. Outras apresentações são feitas e mais mudanças são pedidas. O mocinho tem de ter duas namoradas; não podem haver cenas de sexo; o irmão da mocinha devia ser morto pelo bandido; os palhaços do funeral poderiam estar acompanhados por mulheres barbadas. Então, em algum momento um diretor é contratado para o projeto e, como o diretor é o artista do filme, manda o roteirista mudar tudo de novo. Além disso, dependendo dos atores contratados, estes também exigem mudanças no roteiro. Acho que está claro que no fim o roteiro não é escrito pelo roteirista, mas apenas compilado por ele. Como dito no começo deste parágrafo, as vezes o roteirista simplesmente começa a escrever um roteiro para vendê-lo a algum estúdio interessado, apesar de nestes casos ele conseguir ter mais controle sobre o seu trabalho isto não é garantia de que ele não será modificado.

Legal, tudo isso para dizer o que um roteiro não é, mas afinal, o que é um roteiro? Roteiro é um texto que tem como função deixar claro o que e quando acontece algo planejado para que todos os envolvidos estejam preparados e saibam o que fazer a medida que as coisas acontecerem. Esta definição serve para qualquer tipo de roteiro (mesmo o de uma viagem, por exemplo), mas para o roteiro de cinema é necessário acrescentar o termo "técnico" ao lado da palavra texto. Afinal, o roteiro de cinema é um texto técnico. Por texto técnico entenda que existe uma norma que deve ser obedecida quando se escreve um roteiro, entre outros, os principais objetivos desta norma são, tornar fácil e direta a leitura do texto e garantir que cada lauda escrita represente um minuto de projeção, logo um texto de cem laudas resulta em um filme de cem minutos. Esta última regra é uma das mais importantes para a elaboração de um bom roteiro de cinema, já que com ela é possível fazer seu planejamento orçamentário. A norma adotada atualmente em Hollywood se chama Master Scenes e existem mesmo editores de textos que obedecem a ela.

O roteiro é divido em cenas, que possuem indicações sobre se elas têm locações internas ou externas, assim como uma descrição sumária da cena e da locação, além dos diálogos. Há anos atrás alguns realizadores começaram a usar storyboards para facilitar a orientação das equipes, apesar de muito usado hoje em dia, os storyboards não substituem os roteiros mas, de diversas formas, o complementam. Como para indicar o uso das câmeras e iluminação.

Existe todo um mecanismo para alcançar um roteiro escrito que ainda será visto neste blog, este mecanismo é formado principalmente pelo argumento e o plot. Além de algumas outras peças que cooperam para a obtenção de um bom roteiro. Abaixo se encontra um trecho da sexta cena do roteiro do filme Cidade de Deus. Em um outro post pretendo explicar o significado daquilo que está escrito.

EXT. RUAS DO CONJUNTO - DIA

Cabeleira, Alicate e Marreco correm, perseguidos de perto, por um POLICIAL que dá tiros para o alto. Eles riem. E também atiram para o alto.

BUSCA-PÉ (V.O.)
O Trio Ternura não tinha medo de ninguém.
Nem da polícia... Eles achavam que a Cidade
de Deus era deles. Mas tinha um monte de
bandido que achava a mesma coisa. Naquele
tempo, a Cidade de Deus ainda não tinha
dono.

Os bandidos se metem pelas ruelas do local.

MONTAGEM cria a sensação de labirinto: o Policial nunca sabe para onde ir.

Os bandidos param um instante. Tiram as camisetas vermelhas, jogando-as por trás do muro de uma casa. Todos agora estão de camiseta branca. Eles continuam correndo até o...

3 comentários:

Lei disse...

Puxa! Achei que ia fazer aniversário sem escrever!

E aí, não vai mais escrever sobre os filmes? Tah tão dificil ir ao cinema assim? rsrsrs

Abs!

Rodrigo Camargo disse...

Ótimo post. Muito boa sua iniciativa de colocar artigos relacionados à produção do filme. Espero que você chegue no post de Fotografia. Abraço! PS: Não pare desta vez, ok?

Garcia Filho disse...

Lei,
Na verdade, estou indo ao cinema, talvez eu escreva mais algumas criticas.

Rodrigo,

Também espero chegar a falar sobre fotografia.